quinta-feira, fevereiro 23, 2006

Recuperação de áreas degradadas: possíveis problemas inerentes à solução posta em prática

(Reflexão após assistência ao seminário “Recuperação paisagística de pedreiras: efeito do desbaste de pinheiros na vegetação” realizado no Dept. Eng. Florestal no Instituto Superior de Agronomia – Profª Graça Oliveira)

Foi apresentado um estudo relativo à revegetação de patamares de uma pedreira da Arrábida onde, após introdução de uma camada de solo, foram plantadas várias espécies arbustivas autóctones e introduzidas e uma arbórea, o Pinus halepensis (sendo esta também introduzida). Após monitorização desta plantação verificou-se um desenvolvimento da quase totalidade das espécies (em especial dos pinheiros) e surgimento de novas espécies espontâneas (herbáceas e arbustivas). O resultado, a olho nu, seria uma faixa homogénea, como que uma monocultura de pinheiro. Visto não ser este o objectivo do projecto, mas sim o enquadramento da área na paisagem envolvente (estamos a falar da área central do Parque Natural da Arrábida) foi implementado um novo estudo-teste com duração de dois anos. Consistiu essencialmente em dividir dois desses patamares em três parcelas permanentes: 1 – controlo, 2 – desbaste do pinheiro em 10%, 3 – desbaste do pinheiro em 40%. Os resultados apresentados (suportados por análises microclimáticas, índices de diversidade…) e apesar do curto período de tempo, mostravam nas parcelas sujeitas ao desbaste um incremento da vegetação arbustiva em geral e em particular da vegetação espontânea não plantada. Poder-se-á afirmar que a solução testada enfrentaria o problema e o solucionaria a longo prazo.

Finda a apresentação, onde também foi abordado o modo e origem de sementes utilizadas nas sementeiras em revegetação de taludes, algumas questões pertinentes surgiram da plateia que na minha perspectiva me pareceram vitais:

- a introdução de uma espécie exótica (pinheiro de Alepo) em pleno parque natural. Essa espécie de crescimento rápido foi plantada no sentido de criar condições (formação de solo) para a instalação de espécies espontâneas, no entanto esses pinheiros reproduziram-se e propagaram-se; segundo a análise dos resultados era notório o desenvolvimento de novas plântulas dessa mesma espécie;

- a mistura de sementes utilizada de proveniência desconhecida, mesmo que sendo de géneros semelhantes aos ocorrentes na zona poderá dar azo a hibridações entre diferentes espécies contribuindo para a uma “poluição genética” e consequente descaracterização da vegetação natural;

- até que ponto a legislação existente permitiria este dois últimos factos.

A solução implementada cria um novo problema: a proliferação de espécies exóticas numa área protegida, face a uma legislação que não é clara na sua actuação, só poderá ser travada pelo bom senso e profissionalismo dos técnicos responsáveis. Portanto quando um colega nosso me diz que eu sou fundamentalista por me recusar a utilizar plantas ornamentais num jardim (vulgo espaço verde) adjectivando estas de “mais bonitas” eu aceito de bom grado o elogio.


Saudações verdes, mas indígenas!


Vasco Silva

10 comentários:

Paulo Silva disse...

Como comentário vou enunciar alguns excertos do livro "A árvore em Portugal" de Francisco Caldeira Cabral e Gonçalo Ribeiro Telles. "O jardim Público ou particular...destina-se a estar e a viver, é essencialmente humanizado e por isso não há qualquer limitação na escolha das espécies...." Com isto quero só afirmar que existem projectos para determinadas zonas e zonas para determinados projectos, e que quando, numa suposta recuperação biofísica e paisagista de uma área protegida, se utilizam espécies exóticas se erra, também se erra ao afirmar que num parque público só se deveriam utilizar espécies autóctones.

Abraço ao indigena ;)

Paulo A. Silva

Anónimo disse...

E posso dizer que foi um erro implemetarem espécies exóticas num jardim junto ao rio Sado em Alcácer do Sal!
Digam-me lá amigos biofísicos qual é a graça se é que tem, de ver palmeiras num lado e caniços e lodo do outro?

Abraço Hídrico

Vasco Silva disse...

Ao primeiro comentário, alimentando a picardia :)

Mais uma vez aceito com gosto o louvor! Parece-me bem, até porque sempre simpatizei mais com índios do que com cowboys. Pena é que essa critica vertical se tenha desviado do cerne do post e vá quase que de encontro a uma piada sobre alentejanos. Divagando, interrogo-me sobre o porquê do complexo de superioridade do "condado olissiponense" face aos hortejos circundantes.... Mas adiante,ao que interessa. Três pontos a descortinar:
1) Na obra referenciada é apresentada a definição de 'jardim público ou particular' que eu obviamente aceito! No entanto na minha perspectiva o conceito de jardim público, cada vez mais, se integra no de espaço verde; é um espaço em mutação - cada vez mais assistimos ao esbatimento de formas quadráticas artificiais no sentido de naturalizar todo esse espaço numa perspectiva integrativa do campo na cidade. Recorrendo de novo à obra citada, há claramente uma separação de conceitos jardim - parque. "O jardim Público ou particular.. destina-se a estar e a viver, é essencialmente humanizado e por isso não há qualquer limitação na escolha das espécies.." "No parque...devemos aproximar-nos quanto possível da paisagem natural.." "Hoje a ideia de parque evoluiu no sentido das zonas verdes urbanas que devem levar a paisagem exterior até ao centro da cidade e dar ao homem moderno o contacto com a natureza que cada vez mais lhe falta na vida quotidiana.."
2)relendo o comentário penso poder afirmar que jardim (público e privado) e parque foram metidos no mesmo saco, um saco sem limitação de espécies.
3)na minha reflexão não afirmo que num parque público só se deveriam utilizar espécies autóctones, digo sim que me recuso, eu pessoalmente, a utilizar espécies exóticas num espaço verde, onde incluo (grosseiramente) jardim e parque público.
3)em jeito de conclusão gostaria apenas de citar mais algumas palavras da obra anteriormente referida:"Hoje pretende-se que as plantações se integrem no ambiente que as rodeia. Não se devem por isso escolher espécies exóticas e de aspecto raro, por mais belas que nos pareçam. Devemos pedir às árvores o mesmo que deseja qualquer pessoa educada: não dar nas vistas!"

Abraço do Silvestre

vasco silva

Vasco Silva disse...

Um aditamento: no post não faço distinção de espaços verdes em público e privado. Mas quando refiro espaços verdes tou a pensar somente em espaços públicos, de gestão municipal.

vasco silva

José Sousa (Administrator) disse...

Gostei dos pontos de vista. Boa. A explicação do vasco também foi boa. No entanto, parece-me que por vezes pretendemos que todo o espaço verde seja habitado por apenas plantas espontâneas. Acho que num ambiente de espaço verde claramente fora do ambiente citadino, devem ser feitos esforços por manter o ambiente o mais natural possível (como o vasco aliás refere), no entanto, deve-se dar a liberdade de escolha de plantas de qualquer tipo, no caso de ambientes mais urbanos, sem qualquer tipo de complexos.
Por essa razão, da mesma forma que não me importo que substituam plantas ornamentais em parques urbanos por plantas espontâneas, não vejo o porque, de parecer existir uma certa "perseguição" por tudo aquilo que as plantas ornamentais representam.

De qualquer forma, penso que todos partilham da mesma opinião relativamente a não existência de plantas ornamentais em espaços verdes, até pelos vistos o hídrico humorista.

Se fosse a ti pegava num machado e começava a abater as árvores uma a uma. :)

Pedro Martinho disse...

Mais lenha pra fogueira...

Zé, acho que não ficou subjacente em nenhum dos comentários, que por vezes se pretenda que todos os espaços verdes sejam apenas e só compostos por vegetação espontânea. Concordo contigo quando dizes que num espaço rural se deve fazer de tudo para se manter a sua naturalidade e espontaneidade, típicas da sua vegetação. Por outro lado não posso concordar, que digas que por vezes as plantas ornamentais sofrem perseguição e que se quer à força que todos os espaços verdes sejam apenas e só "habitados" por espécies espontãneas. Não é uma questão de ser à força, é do meu ponto de vista, a melhor forma de trazer as sensações provocadas pelo "verde" à urbe. Também há a questão da ornamental ser (alguns dizem) mais bonita que a expontânea. Epa neste caso então não concordo em absoluto e prefiro muito mais ver num jardim publico, um belo maciço de aromáticas (loureiros, rosmaninhos,lavandulas, tomilhos, etc,) do que um canteiro de plantinhas tratadinhas à mão exibindo o artificialismo de um puro jardim particular. Um jardim publico, deve ser na minha opinião, um espaço diversificado, intercalando, zonas de vegetação densa, com zonas de clareira, onde efectivamente a vegetação espontânea se assuma como principal factor estrutural da circulação e estadia no jardim, transportando as pessoas através dum "verde autóctone" da forma mais natural possível.

Saudações sempreverdes e... AUTÓCTONES

Pedro Martinho

Anónimo disse...

MTOS PARABÉNS Pelo BLOG!! EStá o máximo!! Beijinhos para todos

José Sousa (Administrator) disse...

Não ficou subjacente? Passo a citar a afirmação do colega Vasco(...)digo sim que me recuso, eu pessoalmente, a utilizar espécies exóticas num espaço verde, onde incluo (grosseiramente) jardim e parque público (...).
Não me quero prolongar muito mais, até porque acho que é desnecessária a polémica nesse assunto, pelos moldes a que foi levado. De qualquer forma, se o colega pedro prefere ter tomilhos e loureiros num jardim público, a preferência é obviamente sua e manifesta apenas uma escolha (todos temos a nossa) e não merece discussão. Nem todos temos a mesma, felizmente.
As plantas ornamentais sempre foram escolhidas pela sua beleza e é do conhecimento geral. Daí existirem muitos parques com esse tipo de plantas. Não é pelo desconhecimento geral, porque penso eu, todos conhecemos o país onde vivemos e as plantas (de grosso modo) que cá existem. Já me disseram noutras alturas, as oliveiras ficam bem nas estradas de lisboa. Eu realmente, depois de uma afirmação dessas não tenho muito a acrescentar. Até porque só em contratos de limpeza, perdia uma fortuna.

Acho que cada qual tem a sua opinião e o seu gosto. E cada qual deve escolher aquilo que em consciência lhe parece bem.

No caso de ser um parque natural, já a situação não é mais a mesma.
Temos de ter em conta o impacte ambiental que as plantas terão no ecossistema. O que não tem absolutamente nada a ver com o critério utilizado em jardins públicos.

Penso que cada vez mais, caminhamos para uma sociedade de mente aberta e de horizontes alargados, onde as questões de construção e desenvolvimento devem servir os usos e as necessidades específicas de cada caso e estes não devem ser apenas vistos como casos isolados, mas sim, como resultado do produto da interacção entre homem e ambiente. A qualidade de vida tem um factor muito importante nesta relação. Até porque se os colegas repararem, não faz muito sentido colocar plantas com muito pólen (a título de exemplo) num jardim público, porque senão pessoas como eu, com alergia ao pólen, estarão condicionadas a passar por esse jardim em épocas críticas. Há que saber quais as plantas óptimas para serem colocadas num jardim público e penso que não basta apenas uma licenciatura em engenharia biofísica para saber isso.

Conhecer as plantas não é apenas saber aquelas que fazem mal ao ambiente urbano, é também conhecer aquelas que nos providenciam a melhor qualidade de vida possível.

Pathy disse...

Eu gostei da matéria mas tenho um pequeno problema gostaria de ter informações sobre espécies que se adptem a climas quentes para uma possivel recuperação em pedreira de granito....

Vasco Silva disse...

Olá Patricia,

em resposta ao teu comentário, e no seguimento da discussão, o que posso dizer é que todo o tipo de intervenção, neste caso recuperação de uma pedreira, deverá recorrer a material vegetal autóctone. Na prática não funciona bem assim, pois os problemas inerentes começam a surgir, nomeadamente o tempo de execução da obra que pode não permitir a recolha de material vegetal e a consequente propagação. Recorrendo a material de viveiro, muitas das vezes as espécies pretendidas simplesmente não existem. É dificil responder à tua questão: climas quentes e granitos? O procedimento ideal seria caracterizar e identificar a vegetação potencial/actual da área envolvente e partindo deste estudo definir quais as espécies a utilizar.

Aguardo alguma questão.

vasco silva